segunda-feira, 3 de março de 2014

Duas bandas, um mundo paralelo

http://luizprado.wordpress.com/2014/02/26/fotos-ouca-no-volume-maximo-na-gruta-21022014/

Novamente, teve uma grande realização do Ouça no Volume Máximo. Não tenho muito o que falar, além de que foi uma experiência interessante, dirigida sempre por jogadores com grande repertório e capacidade de representação, tanto que o rumo interessante foi dado graças à habilidade dos jogadores com a linguagem.



“Compartilhar um ambiente de fantasia improvisado com outras pessoas envolve uma negociação constante do enredo e também dos limites entre a ilusão consensual e o mundo real. Quando tudo corre bem, os jogadores podem proporcionar, uns aos outros, uma criação coletiva de crença semelhante ao faz-de-conta compartilhado na infância. Mas quando as coisas vão mal, o jogador fica emperrado numa sequência narrativa confusa, pela falta de consenso ou enão é abandonado e fica sem companhia para jogar.” (Janet H. Murray, 2003, 171) O jogo não teve nenhum problema, correu perfeitamente e em uma grande dinâmica. Houve nada que atrapalhasse o fluxo do jogo. Mesmo que houvesse uma dissonância entre os jogadores, como por exemplo, alguem falar da mulher vadia de Albertinho e Albertinho demorar para processar a informação, com a proposta de criação coletiva, o jogo era criado na mão dos jogadores através da interpretação e criação de informações. O primeiro a assimilar essa informação seria o locutor que iria trazer essa informação à tona no jogo. Essa iria guiar o jogo em determinado momento, tanto que realmente uma grande parte do jogo foi sobre a mulher dos outros, e o saudozismo veio à tona na ironia e tom de deboche.

E também pelo que a bebida trazia, um ambiente mais sério e descontraído. Um fim da semana de trabalho. Cada jogador trazia o jogo para um lugar, e o coletivo traz uma proposta, cada jogador é um pacote de vocabulário, repertórios, emoções e temas. Tanto que talvez seja importante considerar que ter uma mesa de jogadores veteranos, ou uma mesa de novatos, ou uma mesclagem seja interessante. Jogadores veteranos tem preconceitos e paradigmas imbutidos na forma como eles jogam, a forma como as pessoas jogam traz a tona, e influencia na criação da linguagem na mente dos jogadores novos.
Já  falei que houve duas realizações do ouça?



olha a outra lá no fundo.... distante, mas ainda presente no mesmo espaço

O jogo Ouça No Volume Máximo, de Luiz Prado. Possibilita acontecimentos como esse, onde apesar do espaço, há duas arenas de jogo. Ou na visão de Huizinga, um circulo mágico. “The songs themselves are typical play-products with fixed rules, varied repetition of words or phrases, questions and answers.” (Johan Huizinga)

A outra mesa teve uma jogatina diferente devido ao fato de além dos jogadores terem propostas e visões diferentes. O conjunto de regras do jogo possibilita uma mesclagem sempre nova, colocando os jogadores sempre em uma posição diferente. Tanto que muitos jogos participativos (Larp) são emergentes em sua natureza. E a visão de que jogos são limitantes e experiências realizadas apenas uma única vez é um conceito pervertido pela indústria de jogos digitais.
Principalmente onde pessoas têm um tempo livre delimitado, o jogador não tem tempo para passar 5 a 30 horas jogando, mas ele tem 20 minutos a 1 hora em uma sessão de jogo, e esta já tem de estar pronta para trazer a experiência não só proposta pelo jogo, mas a procurada pelo jogador.

“The arena, the card-table, the magic circle, the temple, the stage, the screen, the tennis court, the court of justice, etc., are all in form and function play-grounds, i.e. forbidden spots, isolated, hedged round, hallowed, within which special rules obtain. All are temporary worlds within the ordinary world,. dedicated to the performance of an act apart.” (Johan Huizinga)

Independente se os jogadores soubessem ou não que havia uma outra realização do jogo. As regras delimitavam que só havia uma banda Ouça, ou talvez não, mas foi-se considerado que o jogo somente existia, a existência de um outro círculo mágico mantido por um outro grupo no mesmo ambiente não foi nem colocado em questão pelo fato de ser apenas ruido. Uma conjugação fora do jogo. Então seria possivel afirmar, que no espaço havia dois círculos mágicos? E as regras?

Regras fundamentais - "As regras fundamentais são a estrutura formal subjacente ao jogo."
"Regras fundamentais são uma representação matemática do estado do jogo e como e quando ele muda."



Regras comportamentais - "Essas são as regras implícitas à jogabilidade, que a maioria das pessoas compreende naturalmente como parte do bom "espírito esportivo"."



Na visão de Schell, a comunidade aplica regras dentro do jogo para tentar aprimorar a qualidade do jogo, ou para facilitar o que se deseja obter(xadrez), ou para melhorar a experiência (sinuca).

Uma outra parte importante, foi o trabalho do Prado. "Tentar criar uma "jogabilidade emergente", isto é, ações resultantes interessantes, costuma ser comparado a cultivar um jardim, pois o que emerge tem vida própria, mas , ao mesmo tempo, é frágil e facilmente destruído. Ao perceber algumas ações resultantes interessantes aparecendo no seu jogo, você deve ser capaz de reconhecê-las, e então fazer o que puder para fomentá-las e lhes dar uma chance de florescer. Mas, antes de tudo, o que faz essas coisas brotarem? Não é apenas sorte - há coisas que você pode fazer para aumentar a probabilidade de que essas ações resultantes apareçam. Eis cinco dicas para preparar o terreno do seu jogo e plantar semestes de emergência." (Jesse Schell, 2004)

A variada realização do jogo em várias oportunidades, e mudança constante foi bem interessante. O jogo mesmo foi transmitido verbalmente pelo autor, tanto que ele estava disposto a deixá-los perguntar. Só pelo fato de ser transmitido daquela forma, o autor fazia uma edição de informações ou partes, mesmo que inconsciente das partes para melhorar a progressão e aprendizado das regras e mecânicas do jogo.

Jogos participativos já são emergentes por natureza. E a possibilidade de facilitar ele se tornar na visão dos jogadores sempre inusitado é devido à possibilidade de modificar as ações resultantes sempre, ou devido aos papeis sempre transitórios no grupo, suas opiniões a respeito de certo tema, sua posição hierárquica, as ferramentas disponíveis(habilidades virtuais), o pacote "jogador", e a criação conjunta. "As ações resultantes muitas vezes envolvem interações sutis dentro do jogo, e muitas vezes são movimentos bem estratégicos. Basicamente, essas ações não são parte das regras em si, mas sim ações e estratégias que surgem naturalmente à medida que o jogo é praticado. A maioria dos designers de jogos concorda que  ações emergentes interessantes são a marca de um bom jogo. Consequentemente, a proporção das ações resultantes significativas em relação às ações operacionais é um bom indicador de quanto comportamento emergente seu jogo apresenta. É um jogo realmente apurado que permite  ao jogador realizar um pequeno número de ações operacionais, mas um grande número de ações resultantes. Deve-se observar que esse indicador é mais ou menos subjetivo, uma vez que o número de ações resultantes "significativas" é uma questão de opinião" (Jesse Schell, 2004)


Agora outra coisa, imersão. Palavra feia, vamos para a que Janet propõe em seu livro, crença
“A prazerosa rendião da mente a um mundo imaginário é geralmente descrita, nas palavras de Coleridge, como “a suspensão intencional da descrença” . Mas essa é uma formulação muito passiva, mesmo para os meios de comunicação tradicionais. Quando entramos num mundo ficcional, trazemos mais do que apenas “suspender” uma faculdade crítica; também exercemos uma faculdade criativa. Não suspendemos nossas dúvidas tanto quanto criamos ativamente uma crença. Por Causa de nosso desejo de vivenciar a imersão, concentramos nossa atenção no mundo que nos envolve e usamos nossa inteligência mais para reforçar do que para questionar a veracidade da experiência.”
“Como os teóriocs conhecidos como The “Reader Response” School (Escola da “Resposta do Leitor”, ou da Teoria da Recepção) têm há muito tempo argumentado, a leitura está longe de ser uma atividade passiva: nós construímos narrativas alternativas enquanto lemos, escalamos atores ou pessoas que conhecemos nos papéis dos personagens, representamos as vozes dos personagens em nosssas mentes, ajustamos a ênfase da história para que se encaixe aos nossos interesses e agregamos a história ao esquema cognitivo composto por nossos próprios sistemas de conhecimento e crença. Da mesma forma, quando assistimos a um filme, tomamos os espaços separados dos vários cenários e os fundimos em um espaço contínuo, existente apenas em nossas mentes. Pegamos cenas fragmentadas e completamos mentalmente as ações que estão faltando; se alguém é visto com uma sacola de supermercado e, em seguida trabalhando em um fogão, compreendemos que a refeição é trabalhosa. Se uma pessoa usa um moletom da Ivy League, podemos supor que seja alguém inteligente e determinado ou, talvez, um aluno mimado de um colégio preparatório. Aplicamos nossos próprios modelos cognitivos ou culturais e psicológicos para cada história, enquanto avaliamos os personagens e antecipamos o modo como o enredo tende a se desenvolver.”

Acho que se explica sozinho.


todos os jogadores presentes
O maior perigo de um larp, é ele se tornar um evento onde a comunidade é o maior ponto, isso destrói o jogo e o torna em um espetáculo, débil e mais assistido do que jogado.
Assim como Huizinga afirma, o jogo está em sua forma plena em seu modo arcaico.

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Já falei tudo que podia, agora vou falar do meu jogo, retalhos




O jogo foi realizado no anfiteatro da Casa Amarela, Ateliê Compartilhado
Iniciativa muito interessante, com uma ótima proposta de responsabilidade cultural e incentivo e acolhimento do trabalho de variados artistas independente de sua forma.
https://www.facebook.com/ateliecompartilhado



O jogo correu bem, mas como lidava com jogadores novatos, começou em uma velocidade interessante, e passou para um ritmo mais demorado, até lento. 
Um dos jogadores tinha um repertório limitado e travado, mas foi o único jogador que tinha vindo de uma comunidade de jogadores de rpg, e aquele jogador em especial que não vou citar tem um impacto social muito negativo. Um troll. Larps tambêm tem troll, mesmo que não saibam que são. Troll são criaturas sangue-sugas que procuram atenção, se focando assim em se apegar em comunidades, independente da forma. Eles não vêm pelo produto, mas para conseguir algo que sentem falta, atenção.

Muitos teóricos falam que uma comunidade saudável é feita de variados arquétipos, mas eu acredito que uma comunidade saudável é somente sustentada através da manutenção da comunidade. Como podar uma erva daninha.



Os jogadores foram colocados em movimento, mas de acordo com a proposta de jogo, já havia um número limite de jogadores. Pela perspectiva de jogo, Retalhos é imersivo com um foque leve no drama, onde os personagens se focam em apenas um elemento a partida de Retalhos. Neste jogo, por erro de comunicação da minha parte, todos os jogadores não sabiam que retalhso tinha de ir embora sozinho. E Retalhos por se não se contentar com a despedida de um jogador, se possibilitou em se matar para fugir do fato de abandonar um amigo. Pesado.



Mesmo que o tom tenha sido de uma brincadeira, o conceito por trás foi pesado. Posteriormente passei para o diálogo com os jogadores, e perguntei a eles suas opiniões, e lhes passei a minha visão da cena, e como sempre fiz uma chamada aberta a produtores. Claro que a chamada somente vai ter efeito com pessoas que conhecem o trabalho, tem interesse e contato com o autor, mas é bom enfatizar que estou aberto.

A questão sobre o publico de jogadores, trabalhar com jogadores inusitados é bom, mas nem sempre fruível se um jogador experiente no jogo for influenciar e viciar o jogo deles. Jogadores com impacto social negativo são poucos, muitas vezes o simples fato de sua presença pode modificar o jogo, principalmente quando os jogadores o percebem como tal. O jogador em questão pode parar de ser, se perceber o estigma dele e tentar mudar sua abordagem. Outra possível abordagem é esse jogador não jogar mais, não pelo fato de ele ser irresponsável em sua parte, mas muitos vezes ele vir pela comunidade e não por gostar do jogo. 


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