quinta-feira, 26 de junho de 2014

Um Larp em viçosa

Como eu conheci Akitan? O que é Akitan?
Esse texto contêm material sobre minhas passagens espirituais, logo qualquer pessoa que não seja EU. É proibida de reproduzir parte do textos sem o meu consentimento.
Se você tem algum problema com pessoas sincréticas, e tem algum preconceito contra pessoas com uma sensibilidade maior ao mundo, ou simplesmente tem uma visão padrão, esse post não é para você.
Mas se você tem uma mente aberta continue lendo




Conheci Akitan através do Goshai Daian, organizador e produtor de Fronteiras de Akitan. Eu o encontrei pela primeira vez na Conferência de Jogos Analógicos, LabJogos, em BH março 2014. Ele era um dos poucos produtores de larp do brasil que estavam lá no evento, e que vieram e continuaram a discussão, trazendo teoria para a prática. E quando o Goshai falou de Viçosa fiquei interessado, queria ver o que os outros colegas teóricos produzem. Então quando apareceu a a oportunidade, peguei meu livro do Renato Cohen "Arte da Performance", entrei no onibus e parti pra minha meia-férias.

Algumas informações importantes: Não participei do debriefing, mas afirmo que estava cansado de ouvir as pessoas falando fora do jogo. No jogo as pessoas falavam menos, o que foi relaxante já que alguns falavam muito, e quando eu tentava falar um pouco de algo que os produtores perguntavam, esses mesmos levantavam e saiam sem pedir licença, interrompendo a conversa, muito rude e desrespeitoso.




eu com o figurino, só falta mostrar o saco de comidas do meu personagem, e a saia rustica que usava, além dos meus chinelos. Apesar que deveria ter trazido sandálias que se amarram nos pés, ao estilo dos gregos.

Para jogar era necessário ler o manual. Eu o havia lido e seguido maior parte dele, eu li ele quando descobri sobre viçosa, e reli as partes que considerava mais chaves para conseguir enteder o minimo de personagem, o resto se foi implementado através dos nomes dos deuses, a ficção vaga( que é proposital para a emergência) e um pouco do feel e premissa da experiência que eu senti quando conversava com o Goshai.


Agora vou falar da minha experiência
Eu estava procurando passar por uma experiência espiritual já a algum tempo, tanto que criei o meu personagem baseado em todo o meu repertório e nessa possibilidade, além de que de acordo com o contato com membors das artes, eu consegui muito mais facilmente improvisar tentando me tirar dos paradigmas. Meio esbanjamento, mas eu estava já com uma chave diferenciada e distante da chave dos outros jogadores, uma coisa importante tbm foi que eu tinha feito um preparo antes, mas nada complexo. Só um pouco de música antes de partir para viçosa.

Eu cheguei, fui bem recebido e fiquei pensando na fábrica de doce de leite. Depois a gente foi pro lugar do acampamento, fiquei lá ouvindo as pessoas conversando entre si, e durmi. Além de um jantar bem simulacionista, tinha fartura demais, acho que as pessoas deveria levar menos comida e aceitar a fome. Uma coisa que eu achava, as relações entre as pessoas não realmente simulacionava o que deveria aconter, tudo caiu nas inter-relações entre os jogadores. Dois grupos que deveriam tratar um ao outro com desconfiança e hostilidade, logo viraram amigos e dividiam o mesmo campo. O próprio organizador sabia que era irracional maioria das ações, mas ele se importava mais em gerir o plot e entregar a trama narrativa para os jogadores. Apesar de que os jogadores agiram de uma maneira confusa quando se viram com um personagem representando um shaman, acho que eles esperam mais um desses pregadores monoteístas com ações bobas e previsíveis.
Eu vi uma ação de um dos pregadores, e digo, se não for meio jocosa e e desrespeitosa de propósito, ele deveria ver como trata o neo-paganismo. Uma coisa necessária de todos os pregadores seria fazer um estudo de como o paganismo funciona na sociedade brasileira, e esquecer qualquer preconceito ou paradigma monoteísta. A ficção de Akitan é pagã, e para ser tocado pela espiritualidade a pessoa deve vir com a mentalidade certa. Ou ser retrabalhado as palavras que colocam os jogadores com essa mentalidade, ou talvez falar não pregador, mas líder espiritual.

Bem, eu forçei a minha experiência espiritual por aproveitar o lugar e ter me isolado. Eu tive a experiência e agora estou pensando sobre ela. Posso falar simplesmente, que procurei entrar em um estado de transe e me hipnotizar de uma forma filosófica ao misturar um questionamento moral, filosófico misturado com minhas memórias, e principalmente por ficar imóvel observando as chamas das velas.

Depois eu fui para o mato procurar me isolar do barulho, para mais facilmente me ouvir. Ali estava sozinho, e dirigi meu pensamento em como acalmar o que não existia, os espíritos mortos. Isso, junto com fatores psicológicos, a energia do lugar, e uma racionalização baseada em fatos passados da minha vida me fez com que eu pensasse que seria melhor abandonar essa procura inútil.

Como Shaman, eu devia acalmar os espíritos dos mortos que "habitavam o lugar sagrado". Mas realmente não havia nada de sagrado, ou deveria haver pelo menos na ficção. Mas eu não senti isso, e como jogador senti que seria melhor tomar o meu caminho e descobrir o que deveria ser feito. Nada estava realmente em perigo, mas apenas dentro da ficção. Persegui essa linha, peregrinei um pouco pela floresta sozinho, e depois de halucinar um pouco conclui que se algo realmente estivesse em perigo seria os que desrespeitaram os mortos. Era lógico, então abandonei a perseguição e aceitei esse fato. E fiquei o resto do dia descansando e fazendo nada.

Mas uma coisa eu pensei, as pessoas podiam pegar o modo correto de se portar para as religiões dos outros, algo normal que tudo mundo deveria saber e passar para o jogo, mas é uma vergonha que as pessoas atuem em jogos de uma maneira tão desrespeitosa. Uma coisa é jogar fora ossos de boi, outra é dessacralizar ossos de um lugar de ritual.





Teve muitas poucas fotos vinda do grupo da produção, o que é horrivel, ja que faz com que as pessoas pensem que nunca nem tenha acontecido nada. A falta de relatos é como um vazio, qualquer coisa criada é como se não existisse no contexto geral da cena artística. Se um outro produtor ver os relatos, fotos, ou até participar, experiências podem ser trocadas. Os produtores podem até ter uma prática interessante, mas essa falta de repertório do que mostrar para as outras pessoas impossibilita um diálogo contínuo, ou mesmo impossibilita trocas. E isso talvez faça com que algo que sinto, a falta dessa prática principalmente disponibilizando esse "portfolio" de realização para todos faz com que as pessoas se sintam mais interessadas em se fechar do que fazer esse trabalho.

E como o Prado sempre fala pra mim: "Para de tentar reinventar a roda"
Agora é só ver o que já foi feito, e estudar o passado. Eu tou estudando, lentamente mas tou. Pelo menos tento adicionar relatando o que aconteceu. É legal criar e desenvolver seu jogo, mas sempre é bom ver como as outras pessoas criaram, ver seus erros, e quem saber ver onde acertaram. E pra isso essas pessoas tiveram que manter uma prática de fotografar, filmar ou até escrever sobre o acontecimento, e por causa disso todos devem fazer. Pois que não fazer isso, é um vestígio de amadorismo, e talvez falta de respeito com a linguagem e seu próprio trabalho.



Vou falar primeiramente de meta-técnicas, depois da comunidade, e por fim voltar para o jogo.


Considero "mecânicas" em larp, como meta-técnicas. Já que são meios para se atingir uma outra coisa, uma ação não diegética que transborda entre o diegético e não diegético, que emudece a ficção do mundo virtual e ressalta aspectos desejados e indesejados. Maioria do pessoal que fala live, vem com meta-técnicas retiradas de rpg, maioria não relacionada sequer com a experiência proposta.

A mecânica usada em Akitan é interessante, mas ela cria uma dissonância ludo-narrativa. A proposta do projeto, e de todo o resto do jogo é diferente da dela. O visado da criação seria simular a vivência em Akitan. Mas a mecânica dava poder para todas as pessoas, o que não acontece na realidade, caindo para um direção de simulação não-diegética, o que influenciava parte do jogo.

A mecânica de luta era interessante pelos seus métodos, mas ela criava um foco na experiência que circulava ao redor dela, se tornando tão pesado na totalidade da experiência que poderia puxar as ações facilmente para a sua direção. E principalmente sendo dissoante por facilitar disputas sereme resolvidas. A meta-técnica podia ser retirada por coisas mais realistas, tipo a necessidade de combate real, e realmente a necessidade de treino. Se fosse trocado essa meta-técnica por combate de verdade, onde houvesse dor e contato de metal, ou mesmo por esgrima de verdade talvez coubesse mais com a experiência proposta. O problema que achei era que o foco era possibilitar todos a usarem ela, mas talvez seja interessante apenas tirar da maioria a possibilidade de uso, tirando ela de foco e a transformando em apenas mais um objeto que pode ser usado, não algo central. O jogo roda, mas a mecânica tem um peso muito grande.


Agora a comunidade, apesar de se apenas ter dois produtores, Leo e Goshai, alguns poucos jogadores se tornaram evangelizadores por acharem que tem o controle sobre todo o jogo, e lhe tratar como seu. O happening do jogo é dos jogadores, mas a narrativa procedimental(a estrutura) é criado somente pelos produtores. Não há problema com evangelizadores, e só tomar cuidado para eles não se tornarem tóxicos e quiserem sequestrar o projeto ou problematizar. Eles parecem mais surgir, principalmente nesse caso quando a experiência tenta acompanhar os gostos de uma certa comunidade, o que exclui outras pessoas de uma maneira sendo tratado pela não inclusividade, mas como dialogar isso já que há realmente um público não formatado.

Outra coisa, não se meche o sagrado do outro. Ponto. Isso, é uma coisa que eles deveriam saber, mas fizeram. Não por que fazia parte do jogo, mas por uma simples questão de respeito. Ossos são enterrados comumente enterrados, mas não dessacralizados e "levados para um outro lugar", a não ser que sejam para um museu ou centro de estudos feito por arqueólogos. Acho que queriam simular o bandeirante católico, que depois reclama se sua igreja por dessacralizada. Mas eu entendo que era no jogo a ação do rito que eu fiz, e não era real, e provavelmente o outro jogador pensou erroneamente que era ok.

E um cara que colocou pimentão no esterco. Isso não se faz, é uma grande falta de respeito, deperdiçar comida desse jeito é um tremendo desrespeito. E sei que ninguem além dele é responsável por isso, mas só pra conter minha opinião. Além de


Agora o jogo. Começando pela preparação;
E aqui vai a questão da comunidade novamente. Um dos grupos de jogadores já conhece o Leo e Goshai, e se sentem apoderados do jogo de uma maneira tão peculiar que parecem minar propositalmente qualquer coisa proposta pelo próprio Goshai. Fazendo pouco caso das propostas de preparação, ou mesmo não tentando ouvir o que ele fala, ou falando que ele não sabe nada. Tambêm percebo que o outro organizador mesmo não está na mesma linha ou sincronia do Goshai.

Uma coisa que percebo é que o larp de Akitan, um acampamento de refugiados nas fronteiras desse mundo, condiciona psico-fisicamente bem os jogadores para atuarem seus papéis no meio. Principalmente por ter um dia já de vivência no acampamento, já com preparação e cuidado de mantimentos, manutenção de fogueira, e até cozinhar. Além disso a comida é um bom simulacro do jogo, uma sopa misturando várias comidas, sendo a comida mais forte o pão que vai junto.

É interessante a resolução até. Ai vai tudo em direções interessantes. Mas tem a questão, muitas pessoas reclamavam depois do jogo dos jogadores sairem dos personagens que eles representavam. Na teoria da Janet H. Murray, o jogo é um interator, por interagir e atuar dentro da premissa do jogo. Em um larp talvez essa palavra esteja fora do lugar certo. Pois o jogador alem de interagir com o mundo, e atuar de acordo com ele, ele acaba representando para outras pessoas. E atores podem ter uma representação ruim.

Assim, uma coisa que o Goshai estava procurando seria formas de preparo. Uma proposta era o Arquipélago, um jogo rápido com o tema de criação de histórias emergentes, que lidassem com histórias passadas dos jogadores.

Uma coisa interessante do COHEN, Renato:
"No processo de criação do "ator-performer", quando existir um trabalho de personage, este vai ser muito peculiar. Ao contrário do método de Stanislavski, em que se procura transformar o ator num potencial de emoções, corpo e pensamento capazes de se adaptarem a uma forma, ou seja, interpretarem com verosimilhança personagens da dramaturgia, nesse outro processo o intento é o de "buscar" persogens partind do próprio ator. O processo vai se caracterizar muito mais por uma extrojeção(tirar coisas, figuras suas) que por uma introjeção (receber a personagem). É claro que o método de Stanislavski ensina a construção da personagem a partir das características pessoas do ator e que o prrocesso de escolha da personagem pelos atores geralmente se dá por empatia (semelhança) ou por oposição(encarando-os como desafio), mas na performance art esse processo é mais radical, sendo realçados pela própria liberdade temática que faz com que se organizem roteiros a partir do próprio ego (self-as-context). O performer vai representar partes de si mesmo e de sua visão do mundo. É claro que quanto mais universal for esse processo, melhor será o artista."

O processo de preparar o jogador para se tornar autor não é complicado. O jogador já vai participar como criador da performance mesmo que não saiba ou compreenda, e maioria deles parecem já estar preparados. Mas é a representação e a forma possível que eles podem tomar que peca, assim cabe a responsabilidade do jogador. Representar não só como signo, mas ativamente através de seus atos, independente do tamanho deles. E a responsabilidade do jogador, é não só jogar, mas representar de uma forma verídica e sem malícia para com a ficção do jogo. Aceitar o elemento de ritual, principalmente de seu papel, e aceitar os fatos que acontecerem, para com isso representar fielmente o personagem.

Larp, é um jogo, mas na questão de um jogo sem ganhadores, as pessoas devem participar, mas aceitar que não deve ser jogado para ganhar, mas para se experienciar e viver uma proposta diferenciada. E se a pessoa quiser jogar, que jogue para lidar com as situações e o mundo. Racionalizar posteriormente o jogo e tentar sonhar que ganhou, é errôneo já que nada realmente se é ganho.

Na definição de Huizinga, jogo é algo que se cria nada. O estado de vitória é sempre ilusório, o jogador continua no mesmo estado material, menos no emocional e social. E o larp é social e emocional, por que possibilita esse espaço de representação

E por fim, que as pessoas que venham jogar abordem o larp com uma outra mentalidade. Ele não é um jogo convencional, mas um jogo que precisa de cuidado e muito preparo.



Acho que já terminei de falar de tudo, poderia falar de figurino, mas como sabemos a parte visual do jogo foi diegética.

E agora vou falar de personagens-objetos.
Eu considero personagem objetos, aqueles não atores. Sendo objeto tudo que recebe a interação de um jogador, podendo até ser um outro jogador. Mas nesse caso, o personagem-objeto seria no caso os organizadores que tinham personagens com uma totalidade limitada, limitados por não serem possíveis de tomar uma forma além da planejada. Elas são colocados para mostrar algo no jogo, direcionar os outros jogos, trazendo tramas narrativas e direções. Uma espécie de "gating" que retira totalmente a emergência, e coloca o jogo em uma direção. O personagem-objeto tem uma gama e um repertório que tenta forçar uma experiência, mas no caso, jogadores-interatores não tem algo a fazer, mas a criar somente através do repertório e da chave.

Não havia uma real emergência, ou algo realmente para se fazer. Mas isso era tentado ser garantido através desses personagens que visavam garantir uma proposta de jogo e combate.